Thursday, August 23, 2007

A parabólica numa gaiola

São vários prédios iguais. A vista da janela é a mesma para todos: a vista da janela dos outros. Aí, nessa gaiola, eles sobem, descem, dormem, tomam banho e diz cá que vivem.
Eu mesma nem sei mais se vivo, eu sobrevivo. A garrafinha de água já está seca, melhor pegar outra, olha só que seca. Mas, pensando bem, eu nem vejo a seca. A grama do condomínio é bem verdinha. Seca pros outros, a minha é linda e verde porque a taxa é paga pontualmente, feito um inglês.
Aliás, dizem que eles são secos, os ingleses. Eu não sei, não conheço um inglês, então deixemos a secura deles com os que são secos.

Apareceu uma sombra estranha nas janelas do prédio da frente. A parabólica – palavra engraça (e quase que eu escrevo palaBra, com b. modéstia a parte, eu acho palabra mais bonita). Em cima, os pombos.



Tenham pena de nós: eu na minha gaiola e a parabólica-palabra-engraçada é prisioneira dos pombos nojentos, enquanto sua sombra invade a janela alheia e muda a minha visão.

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Friday, August 17, 2007

Informativo sobre o abismo.


Irmão de alma,


sinto informar-lhe que resolvi tomar conta do abismo sozinha. Há muito tempo acredito que você não faz parte dele – e tampouco combina com esse lugar inexistente em sua vida.
Por isso, desde já, aviso que você não sabe mais esse caminho cinzento e que só cabem cores da palheta de Pantone – muito linda, a minha preferida – na sua vida. Todavia, eu acho – eu acho, não existe certeza aqui quanto a isso – que um dia também trancarei o abismo e grudarei chiclete na fechadura para cair e me melar de Pantone.
Enquanto isso não chega e eu não vou – ah, o comodismo incolor aqui é rei –, termino o que você já deve ter entendido. Tchau, vá lá pra fora e divirta-se.

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Tuesday, August 14, 2007

Je parle français

É uma história que tinha muitas letrinhas, sotaque, olhos azuis grandes, sorriso amarelo de cigarro, gateaux de manhã, Philippe Bineau est suisse, antropologia, suspiros, mais sorrisos e era tudo platônico e escondido – na verdade, era escancarado para mim, mas era escondido para o resto do mundo.
Aí, veio a aliança intrusa enorme na mão esquerda dele, Philippe Bineau ficou no outro semestre avec sa Suisse. E apareceram os dois filhos lindos, que são pequenos sóis e brilham. Por mais que tenha ficado tudo escuro e sem luz com o anel, quando as crianças chegaram todos os sorrisos sorriram juntos. Então é possível entender finalmente porque é melhor ficar tudo aqui dentro e guardar aquela cena em que a pequena menina corre para o colo dele e abraça; e depois entra o menino que é igual a ele e consegue deixar o sorriso amarelado de cigarro ainda mais lindo. Peguei minha pasta, aurevoir de orelha a orelha, e vamos logo porque o ônibus vai vir cheio se eu demorar.

E foi quando encostei a cabeça no vidro da janela, a W3 sul indo embora e respirei feliz.



(o conto fica aqui salvo no word. aqui temos o resumo dele.)

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Friday, August 10, 2007

Canetas e românticos

Pega a caneta, aperta o pino, tic, e vai escrever. E seria só isso, mas nós canetas sabemos que no caso dele é diferente. Sabemos que as curvas e pingos são um esconderijo. Suas mãos nos contaram ontem, pobre jovem. Não vamos descrevê-lo, o lápis que sabe fazê-lo muitíssimo bem (e aqui falamos de canetas).
Ele que risca tanto não sabe que deveria sair e respirar. É que sofrer sozinho em quatro paredes e linhas coube aos românticos, coisa que ele está longe de ser. Diz sentir seu abismo indefinido e torturador. Imergiu, a água não era o frescor das propagandas de pasta de dente e tampouco houve todos aqueles sorrisos. Onde está?
Ficou por lá mesmo.

Mas quando foi se esconder mais uma vez (e explorar as canetas que descansam em sua senzala dentro de um copo colorido) e apertou o pino, tico, a primeira estourou. Sujou o papel, melou tudo. Na verdade, estuporou uma por uma e resolveu se unir a nós. Bateu a cabeça nas folhas imundas de tinta e, tic, explodiu. A partir daí, virou um romântico.

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Tuesday, August 07, 2007

“Você é muito especial”

“Você é muito especial”, diz a placa de madeira que a bonequinha de olhos bolotas negras segura. E creio realmente que se ela não tivesse tal objeto nas mãos – e tampouco usasse o vestido vermelho de flanela com uma espécie de avental de estampa xadrez em branco e vermelho – arrancaria seu laço dos cabelos e agitaria tudo.
(porque com um cabelo desses, só dá pra ser Rock Star com letra maiúscula, toda especialíssima).

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